domingo, 27 de fevereiro de 2011

paredes mudas povo mudo



paredes mudas povo mudo,

que é como quem diz que a rua também é nossa.

eu também já falei pelas paredes.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Uma História de Bom Senso

Numa Assembleia Magna, de estudantes de uma Universidade (pouco) pública, onde se pretende propor a adesão da Associação Académica – que se quer porta-voz dos/as estudantes – ao protesto de dia 12 da Geração à Rasca, deixa-me um pouco indignada ouvir estudantes dizerem que não faz sentido, porque não temos motivos para isso, juntarmo-nos ao protesto. Mas a moção que propunha esta adesão acabou por ser aprovada – isto significa que, para além de ainda existir algum bom senso nesta academia, quem quiser ir para Lisboa, no sábado dia 12, poderá fazê-lo em autocarros garantidos pela Associação Académica de Coimbra -, mas eu pergunto-me: como não há motivos? Que realidades tão desfocadas são as destes/as estudantes? São cores tão fortes - as partidárias - que os cegam assim? Pois eu digo: acorda! É a vida, estúpido/a! “Economicamente viável” não é suficiente para nós. Suficiente para me fazer sair à rua é esta inquietação de saber que o que me espera quando acabar o curso está longe de ser estabilidade.

Nas aulas de Jornalismo professores e professoras dizem-nos que o mercado do Jornalismo está fechado, que temos de procurar “soluções”, mas a licenciatura chega ao fim e o estágio que nos proporcionam – quando proporcionam – não é remunerado. Mas claro, nós só gastamos mais de 3000€ na Universidade, como pude pensar que seria o suficiente para nos garantirem um estágio? Estágio que, por sua vez, poderá garantir a “experiência”, que nos garantirá um emprego, com alguma sorte – repito, emprego; repito, com alguma sorte. Mas claro, a culpa é minha, que tenho demasiadas aspirações e meti na cabeça que tinha de estudar, quando “desprofissionalizar” se tornou a consequência imediata do mercado de trabalho que se vai fechando.

Se calhar isto não interessa a todos/as, mas só a própria ideia de “fechar o mercado do Jornalismo” me assusta. Há dias, confrontado com esta ideia, um professor de Sócio-economia (sim, as pessoas estão para além do mercado) perguntou-se: “onde parará a nossa liberdade de expressão”? Nos dias que correm eu não lhe antevejo um futuro melhor que o nosso, que o da nossa geração.

Ao interesse pessoal e ao egoísmo que se fazem sentir em ambientes como uma assembleia de estudantes – que se querem críticos/as e reivindicativos/as (mais não seja por um futuro) – contraponho com altruísmo e generosidade. À permanente busca do lucro da nossa sociedade – que se reflecte na nossa universidade e, logicamente, nos nossos estudos e na nossa vida – contraponho com a solidariedade. Porquê sair à rua dia 12? Porque temos poder para mudar a sociedade, mas como um todo e não sozinhos/as.

Aos/às que adoram falar de democracia ao microfone e que tendem a alienar-se da realidade do nosso espaço social no seu próprio umbigo, digo que: a democracia… tem despesas muito chatas, não é? Pois só me ocorre um senhor, de seu nome Aristóteles, que dizia que a melhor gestão dos recursos é a que proporciona a todos/as uma vida boa. Acho que estamos com “um problema de memória histórica”, será?

(a ironia é a minha mais-valia)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Na Condicional

Ela acordou cedo, contou as moedas e decidiu tomar um café antes de ir, mais uma vez não teria dinheiro para o passe, mas pegaria o autocarro assim mesmo para não chegar atrasada.

Pensava ela: mais um pequeno delito, paciência...

Ao chegar perto do lugar da apresentação ela sempre abaixa a cabeça, não queria olhar nos olhos das pessoas na rua que a encaravam com certo desdém, ao saber que era mais uma indo se apresentar.
Na entrada diz ao segurança: Vim me apresentar.
Ele lhe entrega uma senha e diz para esperar na sala ao lado. A sala como sempre está cheia, as pessoas estão como sempre, também de cabeça baixa, sorrindo só estão as pessoas dos cartazes nas paredes, cartazes que tentam trazer idéias e ânimos para @s que ali estão consigam ir com sua vida para frente.
Ela pensa: Se fosse assim tão fácil como no cartaz essa sala não estaria tão cheia.
O silêncio é mortal, todo mundo na mesma situação, mas parece que conversar com alguém é pior, por medo de descobrir que a situação alheia é ainda mais dramática que a sua, melhor calar então. Ao fundo ouve-se o mesmo ruído da funcionária a pedir os documentos a quem tem vez.
Depois de mais ou menos uma hora de vida perdida ela finalmente é chamada.
A funcionária que nem lhe olha a face diz: Identificação! Escreve qualquer coisa no computador, sai um papel e volta a falar: próxima apresentação dia 15, sem falta. Se faltar não tem perdão, vai perder tudo, agora não estão aceitando mais nenhuma justificativa por falta ou atraso.
Ela responde: Sim senhora, obrigada.
Levanta-se e pensa: porque sempre acho que ela vai dizer alguma coisa positiva, que parva eu!
---------------------------------Cai o pano ------------------------------------------------
Nome: Maisuma Fulana de Tal
Crime: Desempregada
Motivo: teve um filho
Pena: apresentação quinzenal ao Centro de Desemprego
Programa de Ressocialização: Fundo de Desemprego, e posterior fundo de Desespero.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

À rasca, movimento social em emergência?

A geração que se agiganta e movimenta. Desemprecári@s, a rua é nossa.


Sobre a geração à rasca que se prepara para ir para as ruas a 12 de Março, tenho-me perguntado se se aproxima um novo movimento social. Será?
Mario Diani afirma que aquilo que possibilita a emergência de um movimento social são três coisas:
- A existência de uma identidade colectiva comum;
- Um foco conflitual claro;
- A existência de redes informais densas.
Sobre o primeiro ponto, uma das novidades que este protesto traz é procurar albergar sob uma identidade comum o que até agora eram colectivos “separados” e que podemos designar como desemprecári@s. Aí estão desemprego, recibos verdes, bolsas, intermitências, estudantes, jovens trabalhador@s, etc. Se somarmos toda esta gente teremos um número bem superior a 1 milhão de pessoas, mais de 20% da população activa. É muita gente. E de facto muitas destas pessoas oscilam entre uma e outra situação e podem facilmente identificar-se nesta nova designação.

Por outro lado, a questão que provoca o conflito é clara: falta de emprego e a degradação das condições em que o emprego se exerce - que tem consequência sobre o todo deste grupo, de desempregad@s a precári@s. Mais ainda, o conflito tem vindo a intensificar-se, seja pelo aumento continuado do desemprego ou pela generalização da precariedade, seja porque é sentido pela geração que está ainda a estudar como sua perspectiva provável de vida. O que ainda não é claro é qual o foco de conflito: é contra quem nos governa ou contra o capital financeiro e o sistema capitalista? (o manifesto refere “políticos, empregadores e nós mesmos”...). O tempo o dirá.

Sobre o terceiro ponto, a existência de redes informais densas, Alberto Melluci defende a existência de redes submersas que, aparentemente de forma súbita, emergem com o nascimento de um movimento social. Aqui o súbito é aparente, claro. No caso em causa basta pensar em movimentos, grupos ou colectivos já existentes, como o FERVE, Precári@s Inflexíveis, Intermitentes do espectáculo, ABIC, Estudantes por empréstimo, Desempregad@s pelo trabalho justo, ou em algum crescendo na movimentação estudantil para perceber como esta identidade - embora “separada” - já se vem a desenhar há algum tempo e tem facilitado o desenvolvimento de redes informais que agora podem emergir como conjunto. Some-se a isto a facilidade de partilha de informação e de aproximação destas e de outras redes informais (como as redes de afecto) que a internet possibilita - aliada ao facto das gerações que aqui se identificam serem aquela com maior nível de acesso à internet - e temos um rastilho e talvez a pólvora. É possível até  estarmos perante a tradução de um sentimento colectivo de injustiça na emergência de um movimento social em "estado de emergência". O perdurar é a questão seguinte, ainda dificil de prever. O sinal, seja como for, já foi dado.
Sobre a imprensa ter começado a ridicularizar a geração, ou sobre a tentativa de confundir movimentos (com aquele outro protesto também previsto para 12 de Março, cujo sinal de crescente insatisfação com a classe político-partidária como um todo “único” merece reflexão, mas fica para outra vez), ou sobre a idiotia de afirmações como as de Vicente Jorge Silva, ou de outras tantas pessoas que do alto dos seus estatutos profissionais confortáveis debitam na televisão comentários do tipo "isto tem de ser assim, é assim e sempre assim será", apenas um comentário (parafraseando Ghandi): Primeiro ignoram-nos, depois ridicularizam-nos, depois lutam contra nós, depois nós ganhamos.

Eu manifesto. Tu manifestas. Nós Manifestamos.


Basta de pagarmos para estudar. Disseram-nos um dia que a Educação é um direito.
Basta de termos trabalhos mal pagos. Disseram-nos um dia que o Trabalho é um direito.
Basta da injustiça de sermos precári@s. Disseram-nos um dia que a Justiça é um direito.
Basta de pagarmos pela saúde. Disseram-nos um dia que a Saúde é um direito.
Basta de termos vergonha de falar. Disseram-nos um dia que a Liberdade de Expressão é um direito.

E disseram-nos também que o país é nosso, porque nele nascemos, chegamos, vivemos, partimos, voltamos ou morremos.
E se ele é nosso, o poder também é nosso.

O poder de lutar por uma vida digna, sem a constante instabilidade de andar à rasca para ter direitos.
O poder de sair à rua, à nossa rua, para gritar que daqui não saimos enquanto a Educação, o Trabalho, a Justiça, a Saúde e a Liberdade de Expressão não forem uma realidade no nosso país.
O Poder de exigir um governo que tenha em conta as nossas reinvidicaçães.
O poder de ser livre, porque ser livre também é isso, ter direito a ter direitos.

E, por isso, saímos à rua dia 12 e todos os dias que sejam necessários, para que um dia seja possível viver livre e com direitos neste país que é nosso.


As Que Jogam Sapato

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Das possibilidades de sermos human@s

Quanto mais eu vou lendo alguns "clássicos" do pensamento humano e social, mais eu fico besta com a descrença no espírito humano. Há correntes que afirmam que a nossa natureza é pura e simplesmente egoísta, e todas as nossas acções daí derivam. Dizem que mesmo fazendo um acto altruísta estamos sendo egoístas, pois na verdade ser bonzinho(a) é sinal de que queremos reconhecimento alheio.
Desse tipo de pensamento há uma carrada de sociólogos, economicólogos e outros ólogos, que ficam variando seus estudos em como o "homem é lobo do homem", seja em rede, em jogos, em interacção, seja através do comportamentos, pelos meios, pelos fim....enfim....Filósofos da coerção ainda nos assombram depois de tantos séculos de sua teoria proferida. É preciso um Estado controlador, porque senão não conseguiremos nos organizar para além da barbárie.
Será que a humanidade só consegue se pensar de forma tão negativa? Será que essa é realmente a extracção teórica dos factos? Não me parece, até porque os métodos para se chegar a essas conclusões são muito controversos, teve até um bacano que teorizou sobre o comportamento humano após observar em seu laboratório o comportamento de ratos e pombos!
Eu acho esse povo muito mal amado sabe, e acho que é hora de nos permitirmos outras formas de pensar a humanidade e o social. Claro que não é uma questão maniqueísta de se verificar o bom ou mal da natureza humana, mas hoje sabemos o impacto que tais teorias tiveram e ainda têm no mundo. Se o homem é lobo do homem, rege a lei do salve-se quem puder!
Não, as coisas não são assim tão preto no branco, somo seres extremamente complexos para sermos reduzidos a alguns factores, e principalmente aos piores factores.
Bem haja àquel@s que ousam pensar na viabilidade humana e principalmente que procuram praticar essa viabilidade. Se hoje fala-se tanto na necessidade de quebras de paradigmas, para que possamos nos salvar dessa auto-destruição em que nos metemos, eu humildemente penso que esse novo paradigma tem que surgir mergulhado de um olhar e um espírito de possibilidades pela positiva. Sim a humanidade é possível!

Líbia: Morte antes da liberdade

Informação actualizada aqui: Global voices

domingo, 20 de fevereiro de 2011

E mata-se... e mata-se...



(Re)Começou o tempo das revoluções por contágio.

E os governos, esses, usam as forças policiais e militares como marionetas do poder que têm um medo aterrador de perder.

E mata-se... e mata-se...

Mas a luta, essa, cresce, porque uma raiva nos cresce no corpo que quer a liberdade de ter uma vida digna.

Força Bahrain!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Queijo magro ou os que não andam de autocarro

D’O blog “o Insurgente”, 4 de Outubro de 2010: "Sócrates tem a faca e o queijo na mão. e nós somos o queijo". A minha indignação subiu a pique no dia em que Teixeira dos Santos disse que seria "difícil" cumprir o acordo que implicava aumentar o salário mínimo de 475 para 500 euros em 2011. Isto significa que eu, como milhões de portugueses, a par de pagar mais IVA e descontar menos no IRS, não vou ser aumentada. Saí do trabalho e fui para a esplanada do miradouro da graça, com um amigo, onde apanhei uma violenta carraspana para me esquecer dos meus males. A carteira ficou mais leve, mas a cabeça também. Antes de começar a beber, só me apetecia esmurrar o meu par de ódios de estimação: Sócrates e Teixeira dos Santos. Estes dois exploradores não fazem a mínima ideia do que é viver com menos de 500 euros todos os meses. Não sabem o que é ter de contar trocos no supermercado, nem esperar na fila da segurança social ou das finanças. Não se lembram do que são transportes públicos nem trânsito, nem passes. Não compreendem o impacto do aumento do pão em termos de diminuição do pão comido por semana. Hoje sabemos que o salário mínimo vai ser aumentado - no final do ano. "O queijo somos nós" - e cada vez mais magro.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

stereo typing

A revolução encalhada numa @

A língua é uma parte enorme do nosso universo simbólico, da forma como comunicamos e representamos o mundo. O português, como todas as línguas (desconheço qualquer excepção, mas talvez exista...), invisibiliza metade da humanidade, as mulheres.

Isto para reafirmar que é inegável a importância - essencial - da língua, bem como que ela visibilize e inclua todas as pessoas. É um direito humano, ser visível. É além disso o português uma língua viva - por oposição a uma língua morta, como o latim - que vai se transformando todos os dias e tem toda a potencialidade para o fazer (falsos neutros incluídos).

Por tudo isto fico perplexa com a dificuldade e a luta que significa conseguir incorporar o masculino e o feminino naquilo que escrevemos e dizemos (isto para não falar ainda das várias identidades de género possíveis). Estou sempre a ouvir: "isso não é importante" [este argumento é pura desonestidade intelectual, é como dizer que não é importante falar, escrever, comunicar ou ser visível], ou "não tenho tempo", "isso é difícil", "não é prático". É sobre estes últimos argumentos que reside a minha maior perplexidade. Ouvindo-os da esquerda à direita, quando os ouço na esquerda fico, literalmente, de boca aberta. Então pessoas que querem um outro mundo possível encalham numa simples @, num o/a/x? Queremos uma revolução fácil, prática, que não nos tome tempo? Queremos uma revolução que transforme a face do mundo de forma mais inclusiva, igualitária e emancipadora, e custa-nos tentar mudar, ligeiramente, uma frase? Carai!!!....

O que resta para explicar isto não é um argumento, mas uma razão profunda (raramente admitida): a de pensar que metade da humanidade ter uma história de invisibilidade e assim se manter é uma coisa de somenos importância. Bom ... e isso... isso é grave. É, basicamente, machismo interiorizado e ainda por resolver.Que venha outro futuro possível.

a isenção de propinas não é para qualquer uma...

Recebi a semana passada, por email, resposta a um pedido de isenção de propinas de mestrado apresentado em Setembro passado - quatro meses depois! Explicaram-me que, segundo o regulamento de propinas, só mesmo se fosse filha de militar, ou se necessitasse do mestrado para progressão na carreira como docente da instituição. Hoje, ouvi vezes sem conta o parva que sou dos Deolinda e andei a magicar sobre um bom sapato - baratito, ou a custo zero - para dar a volta à situação. Alguém tem a sugestão de algum?

a música de um sapato



E porque ontem à noite adormeci com ela nos meus olhos.

Ver o concerto da Nina no Montreaux torna-se um arrepio constante.
Aquele arrepio que te dão as pessoas que cospem com o corpo a luta pelos direitos humanos.
Aquele arrepio que te dão os dedos quando tocam o piano e a língua solta um "Mr. Backlash, Do you think that alla colored folks are just second class tools?".
A Nina é isso, um arrepio constante de música de intervenção.
Solta a raiva do que passou com a doçura do que é, como se fosse única por ser tão múltipla.
E por isso faço do meu sapato a sua música.

I'm gonna leave you With the backlash blues...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011



Já aqui se falou no papel relevante da viagem tecnológica da nossa sociedade na revolução egípcia. Essa mesma viagem tecnológica vai me permitir guardar este momento por muito tempo: um grupo de egípcios e egípcias (adultos e crianças) comemora, na noite de dia 11 de Fevereiro de 2011, a queda de Mubarak, nas ruas de Bruxelas. Era impossível ficar indiferente.

"Brutal!"

Revolution on TV?

Só por curiosidade, e na linha deste assunto, ler: Al Jazeera favor cobrir o Irão como cobriu o Egipto.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

The revolution was televised

The revolution will not be televised é um slogan pintado em muitas parede do mundo para mostrar que os media não se interessam pelo poder popular que derruba ditadores. Não foi assim no caso do Egipto, não com todos os orgãos de comunicação social. Se a televisão estatal egípcia mostrava imagens tranquilas do rio Nilo enquanto os manifestantes ocupavam a praça Tahir ou eram perseguidos pela polícia, a Al-jazeera ou a BBC ou qulaquer live streaming na Internet davam-nos (e ao Médio Oriente) as imagens reais do que se passava no Cairo. E no final pudemos ouvir o discurso de Mubarak e festejar em directo. Os constrangimentos tecnológicos e ideológicos deixaram de fazer sentido hoje, sobretudo quando são o garante de que a revolução pode continuar e de que se pode espalhar a outros países. As primeiras manifestações, de dia 25 de Janeiro, surgiram a partir de mensagens no Facebook. A revolução não só foi televisionada como foi motivo de milhões de mensagens do twiter, algumas dos quais jornais como o The Guardian reproduziam como eco do que se passava no Egipto. Será possível voltar a ignorar as imagens da queda de outros ditadores? Sempre que houver uma praça Tahir, haverá uma Al-jazeera? Talvez ainda seja cedo para dizer, mas por agora, por mim, o slogan pode ser riscado.

"É Dreda Ser Angolano"

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Tão longe e tão perto?

De Dakar, chegam bons ventos. No dia 10 de Fevereiro, um dia antes do KO Egípcio sobre o regime de Mubakar, os/as participantes no Forum Social Mundial reunido em Dakar aprovaram uma declaração comum dos movimentos sociais. Pela luta contra a privatização da vida, dos serviços públicos e dos bens comuns, contra as transnacionais e o capitalismo. Pelo direito à alimentação e pela defesa da biodiversidade. Pela soberania dos povos e pela defesa das produções locais. Pela denuncia da liberalização do comércio e pela defesa do direito à livre circulação dos seres humanos. Assinale-se a grande novidade de agenda: 12 de Outubro, dia de acção global contra o capitalismo.

A Declaração inclui muitos outros apelos e denúncias, propondo mesmo uma agenda de luta comum, mas há uma novidade cuja ironia não resisto em assinalar. Ao mesmo tempo que apela ao cancelamento da dívida pública dos países do Sul, a Declaração denuncia a utilização da dívida pública para impor políticas injustas e anti-sociais... As voltas que o mundo dá: já faltou mais para o cancelamento da dívida pública passar a ser o maior anseio dos PIIGS, os países mal comportados Europeus. Será que a globalização do capital tenderá a dar espaço à convergência de anseios entre os povos? Afinal a quem é que mais de meio mundo deve?

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

que linda a festa, pá

Praça Tahrir. Fonte: AFP
O céu é mesmo um sedutor e é incrível como nos podemos perder nele, só de olhá-lo. No dia em que levantei os meus olhos para o céu era ainda muito nova, tinha recebido um telescópio, e lembro-me que tudo à minha volta era bastante agradável. Claro que toda a gente tinha os seus problemas, mas havia esperança, afinal de contas a vida ia melhorando.

Lembro-me bem do caso singular da família que morava no 3º andar direito do meu prédio, mesmo por baixo de nós. A mãe da casa, a Senhora Emília, juntamente com o seu marido, cujo nome não me recordo (apenas lembro o seu ar bem disposto), tinham três bancas no mercado municipal, mesmo ao lado da Tia Maria, outrora companheira de longas conversas da minha avó. Não precisavam de fazer muita publicidade, a verdade é que toda a gente sabia que ali se encontrava do melhor que podia haver. Era este o sustento do casal, com três filhas, sendo que a mais velha se preparava para ir para a universidade, tornando-se assim a primeira da família a fazê-lo. Conseguem, portanto, imaginar a satisfação destes pais, que como nós viviam (e vivem) numa sociedade em que se não somos doutores ou doutoras somos muito pouco. Mas eu nunca levei a mal o que muitas vezes considerei pobreza de espírito, porque este acontecimento fazia-os, realmente, muito felizes, e era genuíno.

Quando tirei o meu olhar do céu já tinham passado alguns anos. Aluada como era, quando o fiz, já tinha concluído cinco anos em Astronomia e já não ia a casa com muita regularidade. Os meus pais nunca me contaram muita coisa, eles próprios sempre com a cabeça cheia de trabalho e sem horários. Sem trabalho e sem bolsa de investigação, voltei umas semanas à casa deles.

Voltei a pôr os meus olhos na realidade, no sistema subversivo. Não digo que não tivesse noção do que se passava no país ou no mundo, de como são as pessoas que o comandam e programam; pelo contrário, sempre procurei dar a minha contribuição para corrigir o que achava estar errado à minha volta. No entanto, quando me apercebi que ali, num lugar que tanto me dizia, estava tudo ao contrário e eu não só não me tinha apercebido como não tinha feito nada para contrariar isso, foi como se tivesse mergulhado numa nebulosa. Procurei a Emília e o marido e as filhas. Não tardei a arrepender-me. Encontrei-os devastados: o mercado tinha deixado de ser municipal e viram as suas três bancas serem expropriadas, sendo que não receberam qualquer tipo de indemnização. Como se não bastasse: a filha mais velha, com 4000€ gastos em propinas (na mesma universidade que eu), também não tinha arranjado um emprego na sua área e juntava-se agora aos pais na, agora, triste dinâmica do mercado. A verdade é que isso não a amargurava, afinal tinha trabalho com que se ocupar, mas para os pais era um desgosto e o mercado já não era uma grande fonte de rendimentos. Já não havia esperança. Pertencíamos ambas a uma geração sem trabalho, sem futuro. Lembro-me de conversarmos e de ela me dizer que, depois de anos a sonhar em ser mãe, começava agora a questionar-se: “não achas ingrato e egoísta querer pôr mais uma criança neste país? E depois, onde é que a vida está melhor?”

Perguntei à minha mãe se ela sabia alguma coisa da Tia Maria. Contou-me que ela tinha ficado sem a sua banca de flores e que passava os dias sentada à porta da câmara municipal, com a bengala na mão e a alimentar as pombas. Fui procurá-la. Durante o meu regresso às origens tornei-me na sua companhia. Como era Verão passava as noites a contemplar o céu e os dias, esses, passava-os a contemplar a vida à minha volta, do banco em frente à câmara de quem a Tia Maria se tinha apropriado. Dissuadi-a de alimentar os pombos, dando-lhe um monte de motivos para não o fazer. Ela percebeu e deixou de sobrar pão em sua casa. Descobriu-lhe destinos muito melhores: com cevada, fazíamos belos lanches para quem passasse e se quisesse juntar a nós.

Acabei por arranjar um estágio – muito mal remunerado, diga-se – na capital. Lá fui eu, lançada aos que "comem tudo".

Ana Perovskaia

que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar


não há vida para tanto dinheiro

queres estudar?
pede um empréstimo.

precisas de um carro?
pede um empréstimo.

não me digas que agora é uma casa?
já te disse, pede um empréstimo.

e saúde, precisas?
então paga.

agora o médico pediu-te um uma prova de esforço?
custa-me dizer-te isto, mas são 50 euros.
sim, é realmente um esforço, mas é tudo para o bem do teu coração.

anda tudo muito caro?
oh meu filho, é tudo uma questão de qualidade.
sabes que a qualidade rouba muito ao estado, não sabes?
tadinho...

queres reclamar do quê? hã? não te estou a ouvir bem... o quê?

deve estar a ficar mudo.

(se calhar até devia marcar uma consulta)

Catarina Fernandes

Quantos mataram hoje?

O mundo é um acto inesperado

Nestes dias, milhões têm estado na rua. Da Tunísia ao Egipto ou ao Iémen, em diferentes contextos, a revolta tem estado a proliferar, uns dias tranquila, com beijos entre a multidão e os exércitos, noutros com tensão e violência crescentes - estas últimas, como sempre, alimentadas pelas mesmas botas da opressão e do medo que consideram que os povos só são legítimos quando obedientes.

Aqui um parênteses: Pensei primeiro em escrever sobre as eleições presidenciais, sobre a evidente agonia do sistema político-partidário enquanto promotor de consciência e acção colectiva, como garante de representatividade popular, sobre o ridículo das reacções inversas sobre os mesmos resultados consoante a força partidária,da omissão generalizada sobre aspectos fundamentais relativos aos níveis de participação eleitoral, ou até sobre a tristeza de observar a mesquinhez de um presidente recém eleito destilar ódio ao deixar cair a máscara. Sobre tudo isto pensei escrever até que depois pensei: páporra! Há coisas muito mais interessantes para escrever nos tempos que correm.

Podia ser sobre a música dos Deolinda, que nos anda a inspirar nestes dias. Na verdade, a frase que me andava a martelar na cabeça também esta música enquadrava: o mundo é um acto inesperado. Aquele(s) acto(s) que, subitamente, parece(m) mudar uma face do mundo. Dos motins em Paris que deram origem à revolução francesa, da revolta dos escravos que esteve na origem da independência no Haiti, do assalto aos navios britânicos que iniciou a independência americana, da marcha do sal que ridicularizou de vez a Inglaterra enquanto potência ocupante na Índia, das greves estudantis que despertaram o Maio de 68, das greves de fome que empurraram o movimento sufragista (e o voto subversivo da Carolina Beatriz Ângelo então...iami!), o Have a dream para o movimento negro, o grito de Abril que pariu a democracia em Portugal, assim se foi construindo a história das revoluções. A lista podia ser infindável (ou completamente diferente). Graças a gente como a gente.

É a expectativa desse(s) acto(s) que nos anda a marcar o silêncio. Porque sabemos que anda próximo, no ar, nas palmas emocionadas no Coliseu, no nó que sentimos na garganta, nas manifestações ainda insuficientes, nas frases de raiva que deambulam nas ruas e dentro das casas. Está por aí. E precisamos dele como da comida para a boca que nos anda a faltar. Toca a alimentá-lo, portanto. É possível até que o acto inesperado esteja em nós.

Judite Fernandes

Carta a um filho

Olá meu filho, estou escrevendo esta carta para quando tiveres capacidade de poder perceber e entender um bocadinho o mundo em que estiveste a crescer. Sim esta é uma carta para o futuro, um conceito muito frágil hoje em dia, e também por vezes negligenciado por um execesso de aqui e agora.

Sabe a mamãe estuda Sociologia, e nessa área do conhecimento há muito debate sobre as incríveis mudanças que vem ocorrendo no mundo hoje. Atenção, não se deixe enganar com o termo incrível, ele tem seus dois lados e também um meio. Enfim, hoje discute-se muitas coisas como o fim da história, exaltação do indivíduo, sociedades líquidas, quando antes tudo se desmanchava no ar. Há um clima que não há muito que se fazer, que o indivíduo está só e perdido em meio a uma imensidão de pessoas, poderes, informações, contra-informações, trabalho e falta dele. Há uma sensação generalizada de perda: perda de identidade, de referências, de chão, de humanidade, de comunidade, etc. Caos, impotência, falta de perspectiva. Hoje em dia reza-se a ladainha do salve-se quem puder, da forma que tiver, e isso é tido como corajoso e êxitoso.

São dias confusos meu filho, dias apáticos. Dizem que há muito tempo não há pessoas que pensem de facto propostas para a humanidade, propostas que não sejam como a que temos, pois o que temos é só guerra, destruição, morte, fome, tristeza.

Apesar de tentarem todos os dias e de todas as formas mais massacrantes nos empurrarem esse trágico legado, onde temos que nos resignar a um projecto de sobrevivência selvática, há sempre uma solução! Há sempre pessoas profundamente empenhadas em transformar essa situação para uma vida verdadeiramente digna e interessante. Se por acaso quando estiveres a ler este texto muita coisa não tiver mudado, pode ser porque a minha geração não tenha tido muitos êxitos nessa luta por um mundo melhor, no entanto isso não quer dizer que seja uma questão de derrota. Entenda filho, a vida é muito complexa e muito rara, e uma de suas belezas é poder vislumbrar coisas que estão por vir. Esse tipo de sonho estão querendo nos roubar, estão querendo nos roubar o futuro, que agora é seu presente, por isso não se trata aqui de questões geracionais de quem fez mais ou melhor e em que época para que as coisas melhorassem. Eu sou de um presente que fugiu completamente da realização de muitos sonhos antigos, sou de um presente de pesadelos, mas não é por isto estar assim agora que te podem tirar teu futuro.

Estamos juntos filho, hoje e amanhã, por todos, por ti, por nós, por acreditar que sempre podemos, que há uma possibilidade de humanidade, não só de salvamento dela. Precisamos nos salvar sim, mas sempre com proposta de sermos melhores.

Camila Lamarão

Política e silêncio

Confesso que gostaria de ter as coisas mais claras em mim.
Há um bicho político que sempre ferve e que reclama permanente justiça, igualdade, respeito. Que fala, fala, fala sem parar. Que tem sempre muito e tudo por dizer. Que pensa, actua e às vezes grita!
Há um bicho poesia, amor, calma... muita calma. Calado. Atento. À escuta e à espreita. Às vezes pensa, outras demite-se de pensar.
Eu sou esta dualidade ou é a dualidade que habita em mim?
Nem sempre há paz nesta convivência dos bichos e na partilha da casa.
O meu corpo-casa às vezes não tem espaço para essas duas mulheres.

Maria Simões
Também jogamos sapato é um blog colectivo de gente que não lhe apetece ficar quieta, quando tanto inquieta. Botamos palavra, fazemos reviravoltas, pomo-nos a caminho. Também atiramos sapatos, mas não toleramos apedrejamentos. Sendo um projecto colectivo apartidário, não é anti-partidário, e muito menos apolítico. Assume que o delírio dos tempos que correm exige tomar partido, dizer, discutir, construir. Mais do que isso, exige o aprofundamento da consciência política enquanto base para a acção colectiva. Que inclui a arte, o conhecimento, a pluralidade da(s) identidade(s), o consolidar das aprendizagens transformadoras e a emancipação como um caminho fundamental. Que inclui as emoções no pensamento crítico. Que implica a transformação das circunstâncias pelo concreto, pela acção, pela construção de uma ética capaz de combinar o pessoal com o político, o objectivo e o subjectivo, o individual e o colectivo. Reunindo gente com experiência activista diversa, procura po(n)tenciá-la na partilha de pontos de vista, de experiências, de leituras sobre a actualidade que nos toca e, em particular, procurando reflectir sobre e dar visibilidade às possibilidades e experiências de acção colectiva emancipadora.