sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O mundo é um acto inesperado

Nestes dias, milhões têm estado na rua. Da Tunísia ao Egipto ou ao Iémen, em diferentes contextos, a revolta tem estado a proliferar, uns dias tranquila, com beijos entre a multidão e os exércitos, noutros com tensão e violência crescentes - estas últimas, como sempre, alimentadas pelas mesmas botas da opressão e do medo que consideram que os povos só são legítimos quando obedientes.

Aqui um parênteses: Pensei primeiro em escrever sobre as eleições presidenciais, sobre a evidente agonia do sistema político-partidário enquanto promotor de consciência e acção colectiva, como garante de representatividade popular, sobre o ridículo das reacções inversas sobre os mesmos resultados consoante a força partidária,da omissão generalizada sobre aspectos fundamentais relativos aos níveis de participação eleitoral, ou até sobre a tristeza de observar a mesquinhez de um presidente recém eleito destilar ódio ao deixar cair a máscara. Sobre tudo isto pensei escrever até que depois pensei: páporra! Há coisas muito mais interessantes para escrever nos tempos que correm.

Podia ser sobre a música dos Deolinda, que nos anda a inspirar nestes dias. Na verdade, a frase que me andava a martelar na cabeça também esta música enquadrava: o mundo é um acto inesperado. Aquele(s) acto(s) que, subitamente, parece(m) mudar uma face do mundo. Dos motins em Paris que deram origem à revolução francesa, da revolta dos escravos que esteve na origem da independência no Haiti, do assalto aos navios britânicos que iniciou a independência americana, da marcha do sal que ridicularizou de vez a Inglaterra enquanto potência ocupante na Índia, das greves estudantis que despertaram o Maio de 68, das greves de fome que empurraram o movimento sufragista (e o voto subversivo da Carolina Beatriz Ângelo então...iami!), o Have a dream para o movimento negro, o grito de Abril que pariu a democracia em Portugal, assim se foi construindo a história das revoluções. A lista podia ser infindável (ou completamente diferente). Graças a gente como a gente.

É a expectativa desse(s) acto(s) que nos anda a marcar o silêncio. Porque sabemos que anda próximo, no ar, nas palmas emocionadas no Coliseu, no nó que sentimos na garganta, nas manifestações ainda insuficientes, nas frases de raiva que deambulam nas ruas e dentro das casas. Está por aí. E precisamos dele como da comida para a boca que nos anda a faltar. Toca a alimentá-lo, portanto. É possível até que o acto inesperado esteja em nós.

Judite Fernandes

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