sexta-feira, 4 de março de 2011

As pessoas, o poder e a política

o indivíduo separado, livre, igual é uma ficção eficaz:
está na base da legitimidade das nossas sociedades
Florence Weber

Há cerca de meio ano tive a oportunidade de assistir a uma conferência proferida por Immanuel Wallerstein sobre crise sistémica. Um termo algo pomposo para abordar uma questão que tudo tem a ver com o nosso dia-a-dia: o mundo, tal como o conhecemos desde a década de 70 e cujos contornos parecem-se ter definido melhor a partir da década de 90 (após queda do Muro de Berlim), é algo que está em aberto. Um sistema em ebulição, no qual parece ser imprevisível prever o dia de amanhã. Não conhecendo profundamente a sua teoria dos sistemas, nem tendo tido oportunidade de comparar a sua teoria com a de outros/as teóricos/as, tenho poucas dúvidas que estamos perante uma crise sistémica, e há três argumentos apresentados por Wallerstein que me têm feito reflectir: primeiro, que a crise torna o sistema bastante sensível às forças a que estiver sujeito; segundo, que estamos numa crise de fim de sistema, ou seja, o que vem a seguir, tenderá a ser qualitativamente bastante diferente do que existe actualmente; terceiro, essa coisa tenderá a ser ou bem pior ou bem melhor, a mudança será tudo menos neutra.

Não tenho a mínima ideia se estamos ou não a assistir ao fim do sistema capitalista - reconhecendo no entanto que muita coisa tenderá a mudar -, e muito menos que tipo de forma de organização social virá a seguir - isso requereria um exercício de futurologia que não me sinto capaz de fazer -, mas o argumento da vulnerabilidade do sistema às forças a que estiver sujeito (de resto, relativamente óbvio) tem-me feito pensar, e muito. O autor diz que, ao contrário de períodos de estabilidade em que produzir mudanças requer um esforço semelhante ao necessário para mover uma montanha (metáfora minha), em períodos de crise um pequeno movimento, ou uma pequena pressão podem ter efeitos tremendos. Por um lado, às vezes dou por mim pasmada em como actores como os mercados financeiros têm sido capazes de pôr e dispor de países inteiros; por outro, nunca uma crise englobou tantas crises [incluindo uma alimentar e uma ecológica], o que faz aumentar exponencialmente os efeitos do que quer que seja. Nos últimos tempos, tenho-me perguntado, e não serei a única, onde é que isto vai parar? É que o lema para pior já basta assim, não tem aqui cabimento: pior nem pensar, mas assim tampouco...

A propósito do post da Camila, e olhando o ambiente actual de vale de tudo [vale tirar trabalho, tecto, acesso a cuidados de saúde e medicamentos, ensino, ou sabe-se lá mais o quê... , isto tudo porque em nome da (ir)racionalidade do mercado, tudo tem de ter um preço] tenho me perguntado: Onde é que está a (ou há) humanidade nisto tudo? Como é que se condiciona esta coisa em ebulição indo além do jogo táctico, do perde-ganha? Isso remete-nos para uma questão de fundo: onde é que entram aqui as pessoas? Sobre isso tenho muito poucas dúvidas, embora a certeza seja apenas um esboço muito genérico: uma saída minimamente humana da crise, que não desemboque em algo fascizante, ou em barbárie, requer colocar as pessoas, e não os mercados, no centro das prioridades. Isso implica empoderá-las, colocá-las no centro da polis. Isso poderia ser tão simples, não é? O problema é que poder e política são palavras tão gastas no seu uso associado ao abuso, à corrupção, à demagogia, à incompetência, ao tacticismo, que se torna impossível fazê-lo sem definir os termos, e os usos dos conceitos de poder e política. Em suma, é necessário garantir uma reapropriação, pelas pessoas, dos conceitos de poder e de política. Esse será o tema dos meus próximos dois posts, um dedicado à questão do poder, o outra à da política.

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